24/09 - Madrid
O iogurtinho dado no desjejum do avião sempre é sabor moranguinho. Mas o bolinho docinho pelo menos não tinha recheio de pêssego. Parca consolaçâo para uma noite mal dormida, na verdade praticamente inexistente, porque chegamos em Madrid às 2 da madrugada em horário do Brasil, para encarar pelas (nossas) costas ainda um dia inteiro sem banho e meio no cagaço de não conseguir voltar ao aeroporto em tempo de não perder o próximo voo depois de uma voltinha pela cidade.
A viagem acaba de começar, muita coisa ainda vai dar errado nela, e, por questão meramente estatística, também uma coisa boa ou outra deve acabar acontecendo. Por enquanto, a menção honrosíssima vai para a Imigração em Madrid. Burocracia zero, nenhuma dificuldade, apenas mocinhas simpáticas carimbando seu passaporte e desejando uma boa estadia, enquanto conversavam animadamente umas com as outras dentro daquele chiqueirinho. Já recebi olhares mais antipáticos de motoristas ao subir no ônibus.
Tínhamos um dia curto para dar uma geral pela cidade. Havia a possibilidade de simplesmente tomar um trem e ir conhecer Segóvia, a 40 minutos dali. Mas a vida é como a sauna gay, é necessário fazer escolhas. Não se pode ter tudo. Ou todos. Então decidimos ficar pela cidade, desfrutando da sabedoria do primeiro dos guias turísticos que tentei heroicamente amestrar o Chat-GPT a fabricar pra mim. Acabou montando roteiros interessantes, sugerindo locais bem abaixo do radar, como um museu de Geologia lá meio esquecido num canto do bairro, não inesquecível mas gratuito, um gigantesco centro cultural semelhante a um SESC Pompéia sob esteróides e com absolutamente nada em exposição ou programado para o dia de hoje, uma outra galeria pública de arte fechada para reforma e uma estação abandonada de metrô que só abre para visitação aos finais de semana. Nada muito diferente de ler uma guia de viagem meio desatualizado ou confiar no Google para conseguir informação a respeito de locais para visitar ou onde comer.
Enfim, a vida passa, de sua maneira meio boba. O ponto alto de desgraça do dia estava reservado para o fim dele, com o voo para Bruxelas. Longo, pela Ryanair, que tenta te vender até o oxigênio respirado dentro do avião. Chegando num aeroportozinho secundário, numa cidadezinha secundária, onde passaríamos a noite para seguir viagem de trem no dia seguinte, de trem. Acomodação reservada pelo Booking, mais uma daqueles apartamentinhos baratinhos de particulares, com chave te aguardando na caixinha na frente da porta. Mais uma oportunidade dada à tragédia, que é meio indolente mas, se adequadamente cutucada acaba mordendo de volta.
Depois de uns 3 km de caminhada a partir do aeroporto de Charleroi, chegamos ao endereço num suburbiozinho de uma cidade que já é um suburbiozinho. Na porta do edifício, nenhuma caixa de chaves identificada como alegado da mensagem do proprietário, apenas cinco outras, nenhuma delas aberta pelo número de senha enviado. O telefone do proprietário não respondia (havia deixado claro em sua mensagem que, apesar de estipular um limite de check-in de até às 24:00, estava disponível naquele telefone apenas até às 22:00). Os telefones do Booking para contato em Francês ou Holandês, linguagens que domino ainda pior do que a linguagem do afeto e da empatia, tampouco atendiam. O telefone com atendente em inglês era respondido por uma inteligência artificial, que insistia em repetir que o número de reserva que eu tinha impresso diretamente do site era incorreto.
Chamamos um Uber para nos levar a um Ibis. Provavelmente o único taxista trabalhando na região, que portanto demorou a chegar. No cardápio de lìnguas que falava mal, o francês, holandês e até um pouco de português (!), além de seu aparente árabe natal, mas nada de inglês. Descobriu que o hotel estava lotado (o que tanta gente vem fazer neste cu de Bélgica chamado Charleroi em uma noite de quarta-feira de outubro, meu deus?). Uma da madrugada, saco na estratosfera, sentados em um táxi com cujo motorista não conseguíamos nos comunicar, putésimo com a palhaçada da acomodação do booking. Sem trens a esta hora para lugar nenhum. Com a perspectiva de ter que pagar ao menos 160 euros para chegar de táxi a Bruxelas, três vezes o preço do próprio voo, e sem hotel reservado. O cara parecia dirigir em círculos, mudando de ideia sobre para onde nos levar, perdendo as entradas das ruas para sabe-se lá onde estivesse indo. Todos ficando irritados com todos pela precariedade da comunicação e das possibilidades. Por fim, nos conseguiu um hotelzinho de beira-de-estrada, de onde ainda temos que descobrir como sairemos amanhã. Sem banheiro no quarto, e com chuveiro no corredor sem água quente. Saldo da palhaçada, para alé de todo o estresse, cagaço, tempo perdido e bile corroendo a alma? £17 do uber, mais £30 pagos por fora para chegar no outro hotel, £60 da diária sem café da manhã e provavelmente os £57 da pernoite original, paga para passar duas horas de madrugada na frente daquela merda fazendo hematomas no dedo de tanto selecionar um código que não abria a caixinha. E muito, mas muito desgosto mesmo, com o fato de estar vivo.
Comentários
Postar um comentário